Sentimento do Mundo – questões e gabarito

Neste artigo vamos ver algumas questões publicadas nos mais diversos vestibulares brasileiros. Todas elas se referem a um livro específico chamado Sentimento do Mundo e  foi escrito por Carlos Drummond de Andrade. Este é o paradidático que meus alunos leram neste bimestre e esta coletãnea de exercícios é uma forma de ajudá-los a observar aspectos importantes da obra.

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O Sentimento do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade – questões e gabarito

Leia o seguinte texto para responder às questões 1 e 2:

Morro da Babilônia

À noite, do morro
descem vozes que criam o terror
(terror urbano, cinquenta por cento de cinema,
e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua
geral).
Quando houve revolução, os soldados se espalharam no
morro,
o quartel pegou fogo, eles não voltaram.
Alguns, chumbados, morreram.
O morro ficou mais encantado. Mas as vozes do morro
não são propriamente lúgubres.
Há mesmo um cavaquinho bem afi nado
que domina os ruídos da pedra e da folhagem
e desce até nós, modesto e recreativo,
como uma gentileza do morro.

(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo.)

Leia as seguintes afirmações sobre o poema de Drummond, considerado no contexto do livro a que pertence:

I. No conjunto formado pelos poemas do livro, a referência ao Morro da Babilônia — feita no título do texto — mais as menções ao Leblon e ao Méier, a Copacabana, a São Cristóvão e ao Mangue, — presentes em outros poemas —, sendo todas, ao mesmo tempo, espaciais e de classe, constituem uma espécie de discreta topografia social do Rio de Janeiro.
II. Nesse poema, assim como ocorre em outros textos do livro, a atenção à vida presente abre-se também para a dimensão do passado, seja ele dado no registro da história ou da memória.
III. A menção ao "cavaquinho bem afinado", ao cabo do poema, revela ter sido nesse livro que o poeta finalmente assumiu as canções da música popular brasileira como o modelo definitivo de sua lírica, superando, assim, seu antigo vínculo com a poesia de matriz culta ou erudita.

1 - Está correto o que se afirma em
a) I, apenas.
b) I e II, apenas.
c) III, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.

2 - Guardadas as diferenças que separam as obras a seguir comparadas, as tensões a que remete o poema de Drummond derivam de um conflito de:
a) caráter racial, assim como sucede em A cidade e as serras.
b) grupos linguísticos rivais, de modo semelhante ao que ocorre em Viagens na minha terra.
c) fundo religioso e doutrinário, como o que agita o enredo de Til.
d) classes sociais, tal como ocorre em Capitães da areia.
e) interesses entre agregados e proprietários, como o que tensiona as Memórias póstumas de Brás Cubas.

3 - Na poesia de Carlos Drummond de Andrade, na fase a que pertence "Sentimento do mundo", a percepção da "insuficiência do eu" leva o poeta a querer aproximar-se dos outros e participar dos problemas humanos em geral. Assinale a alternativa em que os versos, transcritos dessa obra, explicitam tal desejo de participação.

a) Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
("Elegia 1938")

b) Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas
livrarias:
preciso de todos.
("Mundo grande")

c) Os inocentes do Leblon não viram o navio entrar. Trouxe bailarinas? trouxe imigrantes? trouxe um grama de rádio? Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram, mas a areia é quente, e há um óleo suave que eles passam nas costas, e esquecem.
("Inocentes do Leblon")

d) Silencioso cubo de treva:
um salto, e seria a morte.
Mas é apenas, sob o vento,
a integração na noite.
("Noturno à janela do apartamento")

4 - Leia o texto a seguir:

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os
homens presentes,a vida presente.

(Carlos Drummond de Andrade. "Antologia poética". Rio de Janeiro: Record, 1998, p.118)

Todas as alternativas seguintes correspondem a uma leitura possível do poema drummoniano, EXCETO:

a) O poema revela-nos um eu-lírico que, ignorando o passado e o futuro, opta por conhecer a realidade de seu próprio tempo.
b) O poeta renuncia ao isolamento voluntário e reafirma sua solidariedade aos companheiros, dos quais não pretende mais se afastar.
c) Ao voltar-se para a vida presente o poeta demonstra uma preocupação maior com o seu momento histórico.
d) O poeta busca a convivência com os outros homens à sua volta, não pretendendo, pois, entregar-se aos devaneios e à solidão.
e) O autor de "Mãos dadas" quer unir-se a seus semelhantes para libertar-se do passado, do presente, e do futuro de um mundo caduco que o sufoca.

5 - Considerando-se a leitura de "Sentimento do mundo", de Carlos Drummond de Andrade, é INCORRETO afirmar que, nessa obra, o poeta:
a) exclui, ao voltar-se para os problemas coletivos, sua herança provinciana.
b) integra à experiência do presente as dimensões temporais do passado e do futuro.
c) opõe-se, por um sentimento de justiça, à divisão da sociedade em classes.
d) problematiza o individualismo característico de sua própria poesia.

6 - O excerto abaixo foi extraído do poema Ode no Cinquentenário do Poeta Brasileiro, de Carlos Drummond de Andrade, que homenageia o também poeta Manuel Bandeira.

(...) Por isso sofremos: pela mensagem que nos confias
entre ônibus, abafada pelo pregão dos jornais e mil
queixas operárias;
essa insistente mas discreta mensagem
que, aos cinquenta anos, poeta, nos trazes;
e essa fidelidade a ti mesmo com que nos apareces
sem uma queixa no rosto entretanto experiente,
mão firme estendida para o aperto fraterno
— o poeta acima da guerra e do ódio entre os homens —, o poeta ainda capaz de amar Esmeralda embora a alma anoiteça,
o poeta melhor que nós todos, o poeta mais forte
— mas haverá lugar para a poesia?
Efetivamente o poeta Rimbaud fartou-se de escrever,
o poeta Maiakovski suicidou-se,
o poeta Schmidt abastece de água o Distrito Federal...
Em meio a palavras melancólicas,
ouve-se o surdo rumor de combates longínquos
(cada vez mais perto, mais, daqui a pouco dentro de nós).
E enquanto homens suspiram, combatem ou
simplesmente ganham dinheiro,
ninguém percebe que o poeta faz cinquenta anos,
que o poeta permaneceu o mesmo, embora alguma
coisa de extraordinário se houvesse passado,
alguma coisa encoberta de nós, que nem os olhos
traíram nem as mãos apalparam,
susto, emoção, enternecimento,
desejo de dizer: Emanuel, disfarçado na meiguice
elástica dos abraços,
e uma confiança maior no poeta e um pedido lancinante
para que não nos deixe sozinhos nesta cidade
em que nos sentimos pequenos à espera dos maiores
acontecimentos. (...)

(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 49.)

a) O que, no poema, leva o eu lírico a perguntar: "mas haverá lugar para a poesia?"

b) É possível afirmar que a figura de Manuel Bandeira, evocada pelo poeta, se contrapõe ao sentimento de pessimismo expresso no poema e no livro Sentimento do mundo. Explique por quê.

7 – Leia o seguinte poema.

TRISTEZA DO IMPÉRIO

Os conselheiros angustiados
ante o colo ebúrneo
das donzelas opulentas
que ao piano abemolavam
"bus-co a cam-pi-na se-re-na
pa-ra-li-vre sus-pi-rar",
esqueciam a guerra do Paraguai,
o enfado bolorento de São Cristóvão,
a dor cada vez mais forte dos negros
e sorvendo mecânicos
uma pitada de rapé,
sonhavam a futura libertação dos instintos
e ninhos de amor a serem instalados nos arranha-céus
de Copacabana, com rádio e telefone automático.

Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo.

a) Compare sucintamente "os conselheiros" do Império, tal como os caracteriza o poema de Drummond, ao protagonista das Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

b) Ao conjugar de maneira intempestiva o passado imperial ao presente de seu próprio tempo, qual é a percepção da história do Brasil que o poeta revela ser a sua? Explique resumidamente.

Gabarito dos exercícios sobre o livro de Carlos Drummond

1. Alternativa b

Os poemas do livro Sentimento do mundo, de Carlos Drummond de Andrade, foram escritos entre os anos de 1934 e 1940, período que coincide com a mudança do autor para o Rio de Janeiro. A menção direta (com a citação literal de bairros considerados ricos, como Copacabana e Leblon, e outros mais simples, como o Méier) ou indireta, nas referências ao mar e à metrópole, muito recorrente nos textos, pode assim ser justificada. Com relação ao poema "Morro da Babilônia", o registro do presente é significativo, uma vez que o eu lírico aborda a situação no morro na época da enunciação do texto. Isso se percebe pelo uso dos verbos no presente. O passado, por sua vez, também é mencionado, tanto quando se alude à imigração dos negros de Luanda e à revolução que ocorreu no morro (registro da história) como quando o assunto é o encantamento dos soldados mortos (registro da memória).

2. Alternativa d

O livro Sentimento do mundo foi a terceira obra publicada por Drummond e é considerada a primeira de sua fase social. O poema "Morro da Babilônia", especificamente, faz referências a tensões entre classes sociais em versos como "À noite, no morro descem vozes que criam o terror" ou "e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua geral." Esse tipo de aspecto também ocorre em Capitães da areia, de Jorge Amado.

3. Alternativa b

4. Alternativa e

5. Alternativa a

6. a) O livro Sentimento do mundo, publicado em 1940, é marcado pela impotência do eu lírico frente ao tenso contexto histórico: o regime de exceção política que levou ao Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas, e o crescimento do nazifascismo, que culminou com a eclosão da Segunda Guerra Mundial. No poema, especificamente, o eu lírico menciona a existência da "guerra e do ódio entre os homens" em referência a esse contexto, o que seria indício de um tempo pouco propício para a realização da poesia. Um tempo em que os "homens suspiram, combatem ou simplesmente ganham dinheiro", sem dedicar qualquer tempo ao lirismo e à relação humana.

b) Manuel Bandeira é evocado no poema como um artista que se manteve fi el a sua condição de poeta. Em contraponto com as figuras de Rimbaud, que "fartou-se de escrever", de Maiakovski, que "suicidou-se" e de Schmidt, que se tornou funcionário público, Bandeira continuou escrevendo e capaz de amar, apesar da noção de que havia pouco lugar para a poesia em um tempo de opressão e morte. Nesse sentido, a postura de Manuel Bandeira evocada por Drummond pode ser considerada uma demonstração de otimismo que se contrapõe ao sentimento pessimista predominante na obra.

7. a) Os conselheiros do império são caracterizados no poema de Drummond como uma elite alienada, uma vez que esquecida de acontecimentos sociais importantes como a guerra do Paraguai e a escravidão; e exclusivamente interessada em aproveitar a vida de forma hedonista, no desfrute de seus desejos sexuais.
A personagem Brás Cubas, da obra de Machado de Assis, tem um comportamento semelhante ao desses conselheiros, na medida em que possuí uma visão pessoal das questões sociais de seu tempo, além de permanecer conectado com seus instintos, desde seus encontros juvenis com a interesseira Marcela até o longo caso amoroso que mantém com a adúltera Virgília, na casa do bairro da Gamboa, um verdadeiro "ninho de amor", como citado no poema.

b) A percepção do autor é a de que o comportamento da elite brasileira continua o mesmo, marcado pela alienação e busca desenfreada do prazer, desde a época imperial até a década de 30 do século XX (época do poeta). As duas épocas se aproximam quando se faz referência a "arranha-céus de Copacabana, com rádio e telefone automático", elementos característicos do século XX, no poema que aborda, desde o título, o século XIX.

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