Os implícitos na interpretação de textos

Dentre os assuntos que tenho trabalhado em sala de aula nas últimas semanas estão a ambiguidade e os implícitos. Nas reflexões que temos estabelecido e nos exemplos dados, apresentei um trecho de Maingueneau:

"…dizer nem sempre é dizer explicitamente, a atividade discursiva entrelaça constantemente o dito e o não dito…"

É preciso perceber o que foi dito nas entrelinhas, muitas vezes o autor enuncia o explícito para passar o implícito. Aí está uma das maiores dificuldades dos alunos quando vão prestar um exame. A falta de cultura [leia-se leituras que não sejam necessariamente obrigatórias para as aulas ou para as provas] tem limitado a capacidade interpretativa dos alunos e, ainda que os professores se esmerem em apontar caminhos, em relatar experiências, a impressão que se tem é a de que damos murro em ponta de faca. Claro que não é assim e já ouvi diversas vezes que não atingiremos 100% das classes, mas dá uma sensação de impotência quando vemos que os erros nos exercícios se dão tão somente porque não foram percebidos esses sentidos que não estão na superfície do texto. Sei que os blogueiros que em leem concordarão. A imensa maioria dos comentários em postagens que têm como objetivo ensinar alguma cosia vêm com dúvidas que uma leitura mais apurada resolveria. Veja, por exemplo, o texto a seguir retirado do Almanaque de piadas:

EU GOSTO DE VOCÊ

"O casal inglês, daqueles que conversam pouco mesmo, está na sala, depois do jantar. Ela vidrada na TV e ele lendo seu jornalzinho, quieto, lá num canto da poltrona. De repente, ela volta-se para ele e pergunta:

— Meu bem, você gosta mais de mulher bonita ou inteligente? E ele, distraído, sem tirar os olhos do jornal:
— Nem de uma coisa, nem de outra, querida. Você sabe que gosto mesmo é de você."

Na fala do marido, "Nem de uma coisa, nem de outra, querida. Você sabe que gosto mesmo é de você.", há uma ideia implícita: o fato de ele achar que a mulher não é nem inteligente nem bonita; ou seja, o explícito serve para passar um implícito.

No discurso literário, o implícito também pode aparecer na relação que se estabelece entre a obra e seu destinatário. Ao ler uma obra de Machado de Assis, um conto ou um romance, pergunta-se: que mensagem o autor quis passar ao escrever esta obra? Procedendo dessa maneira, o destinatário está, na realidade, à procura do implícito; como diz o autor de Pragmática para o discurso literário cuja frase ilustra o início deste artigo, "qualquer obra que figura no corpus da Literatura leva seu leitor a perseguir o implícito".

Como se vê, o conhecimento acerca do implícito é de grande importância para a interpretação de texto.

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