Para ler e entender poesia

Às vezes, mesmo estando em sala de aula para tirar todas as dúvidas dos alunos, estes têm bastante dificuldade para trabalhar com a interpretação de textos. Por isso mesmo, parte do discurso que faço lá acabo trazendo pra cá. Este é um dos tópicos que trabalhei numa das aulas de produção de textos dia desses.

As considerações a seguir são uma tentativa de chamar sua atenção para aspectos que participam da construção do texto poético. O objetivo é apenas orientar sua experiência de leitor de poesia, permitindo um relativo refinamento da percepção intuitiva de suas características. Vou começar comentando o aspecto que mais salta aos olhos quando vemos um texto poético: sua distribuição na página.

Enquanto os textos em prosa aparecem em linhas plenas e contínuas, os textos poéticos são escritos em linhas apenas parcialmente preenchidas e não contínuas. Há uma espécie de distribuição horizontal na prosa e vertical na poesia. Esse corte da linha poética tem um efeito interessante: ele cobra do leitor uma leitura mais pausada, com pequenos silêncios ao fim de cada linha. E estas pausas contribuem para o processo de construção do significado do texto pelo leitor.

Claro que não é apenas a forma gráfica que caracteriza a poesia. Contudo, essa apresentação do texto poético nos remete a um constituinte básico da poesia: a transformação do ritmo num elemento significativo. Talvez por isso é que o poeta francês Paul Valéry costumava dizer que escrever prosa equivale a caminhar e escrever poesia a dançar. A disposição mais verticalizada do texto na página se liga precisamente a esse trabalho significativo com o ritmo.

Como entender poesias

Note bem: o ritmo não é propriedade exclusiva do texto poético. Qualquer expressão verbal - e não apenas a poética - tem ritmo. Em outros termos, não há fala sem ritmo, isto é, qualquer uma das nossas emissões verbais têm uma "melodia" que é criada basicamente por uma sucessão de sílabas fortes e fracas em padrões mais ou menos regulares. A escrita em prosa tem também seu ritmo.

Essa propriedade normal da língua foi, contudo, transformada, desde muito cedo na história da humanidade, em elemento expressivo. Desse modo, o ritmo, além de ser usado para marcar normalmente a cadência da fala, passou a ser utilizado também para gerar sentidos especiais.

Assim, por exemplo, certos padrões rítmicos começaram a ser utilizados para demarcar o encadeamento de cerimónias ritualísticas (religiosas ou não) nas mais diferentes culturas. Os participantes acompanham essas cerimónias batendo palmas ou os pés no chão, ou ainda tocando instrumentos de percussão. A repetição constante de um certo ritmo leva-os, em alguns casos, a entrarem até num certo transe. E isso, ao que parece, porque nós somos seres ritmados - a começar pelo fato mesmo de que o nosso coração funciona ritmicamente.

Por outro lado, antes da criação da escrita, os grupos humanos só dispunham da memória para guardar seu saber. Desse modo, a forma dos textos religiosos e das grandes narrativas do grupo seguiam padrões rítmicos rigorosos para auxiliar o trabalho de memorização daqueles textos e sua transmissão às novas gerações.

Tudo isso é ainda observável nas sociedades que não têm escrita (como é o caso de alguns povos indígenas) e naquelas em que o número de analfabetos é ainda muito grande (como, por exemplo, as populações nómades do norte da África).

A poesia como manifestação literária é uma espécie de desdobramento desse uso ritualístico e mnemónico do ritmo da língua. Em sua origem, a poesia era também uma prática apenas da oralidade. E conservou esta marca quando passou a ser escrita. Por isso costumamos dizer que a poesia é, antes de tudo, para ser ouvida e, portanto, para ser lida em voz alta. Desse modo percebemos melhor o ritmo do texto e nos deixamos envolver por ele no processo de geração de sentidos, na medida em que, na poesia, ritmos e significados estão intimamente interligados.

Dicas básicas para ler poemas

  1. Leia sem pressa, sentindo o ritmo dos versos e envolvendo-se com ele;
  2. Leia sempre mais de uma vez, deixando as imagens do poema reverberarem na sua cabeça. Esse movimento provocará associações, de onde surgirão sentidos para o poema.

Professores, há várias gravações em disco de poemas de poetas brasileiros (a coleção Poesia Falada, da gravadora carioca Luz da Cidade, por exemplo). Em alguns casos, o próprio poeta lê seus textos. Se for possível, será interessante uma atividade de audição desses discos, principalmente para se observar intuitivamente o ritmo e a sonoridade do texto poético.

É importante não esquecer, porém, que, por falta de tradição de leitura oral de poesia entre nós, nem sempre os declamadores nessas gravações dão a expressão sonora adequada aos poemas (leem como se se tratasse de prosa), o que empobrece a riqueza melódica dos textos. Por isso, dê preferência aos discos gravados pelos próprios poetas.

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