O que é metáfora e metonímia?

O modo poético de dizer se vale extensamente da linguagem figurada, em especial da metáfora, da comparação e da metonímia. Digamos que o poeta fala do mundo e expressa seus sentimentos preferencialmente por meio de imagens e figuras, seja povoando seu texto com elas, seja compondo o texto todo como uma grande figura.

Essa vinculação figuras/poesia é tão forte que houve quem dissesse que um poema é um complexo de imagens e um sentimento que o anima.

Vamos, então, falar um pouco sobre os modos figurados de dizer.

A linguagem figurada não é evidentemente propriedade exclusiva da poesia. Nossa fala cotidiana e os textos em prosa estão também cheios de figuras. E isso porque elas fazem parte intrínseca de nossos mecanismos cognitivos: raciocinamos muito frequentemente por analogia, isto é, conseguimos explicar fenómenos novos comparando-os com aqueles já nossos conhecidos. Esse mecanismo cognitivo é o grande responsável pela criação de metáforas - que nada mais são do que comparações condensadas.

Desse modo, as metáforas e as comparações pertencem ao mesmo processo cognitivo de estabelecer relações de semelhanças entre eventos, pessoas, objetos, sentimentos. Em algumas ocasiões, deixamos a comparação explícita na expressão; outras vezes, ela aparece condensada (temos, então, uma metáfora).

Para exemplificar nosso raciocínio, tomemos uma (antiga, mas famosa) letra de música - Chão de estrelas. Ela foi escrita em 1937 pelo poeta Orestes Barbosa (1893-1966) e musicada por Sílvio Caldas (1908-1998), tido como nosso maior intérprete de serestas. Chão de estrelas é considerada por muitos como a melhor seresta brasileira, tipo de música que teve muito sucesso entre nós na primeira metade do século XX, com uma temática de amor- em geral, de decepções amorosas (de "dor-de-cotovelo"):

Chão de estrelas

Minha vida era um palco iluminado,
Eu vivia vestido de dourado,
Palhaço das perdidas ilusões.

Cheio dos guizos falsos da alegria,
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações.

Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro,
Foste a sonoridade que acabou.
E hoje, quando do sol a claridade
Forra meu barracão, sinto saudades
Da mulher, pomba rola que voou.

Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas,
Pareciam um estranho festival.

Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
E sempre feriado nacional.

A porta do barraco era sem trinco,
Mas a lua furando nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão.

Tu pisavas nos astros distraída,
Sem saber que a ventura desta vida
E a cabrocha, o luar e o violão.

http://www.planeta.terra.com.br/orestesbarbosa

O poeta começa sua canção com o verso: Minha vida era um palco iluminado. Trata-se de uma metáfora, ou seja, uma comparação condensada - o poeta estabelece uma relação de semelhança entre sua vida e um palco iluminado. Observe o desdobrar do processo:

  • Minha vida = um palco iluminado
  • Minha vida era como um palco iluminado
    (construção explicitamente comparativa)
  • Minha vida era um palco iluminado
    (metáfora: comparação condensada)

Observe como esta primeira metáfora (minha vida = um palco iluminado) dá um eixo para o texto, motivando boa parte das outras figuras que aí aparecem.

Releia o texto e identifique outras metáforas e comparações.

Se a metáfora nasce do processo cognitivo que envolve o estabelecimento de relações de semelhança, a metonímia nasce de outro mecanismo cognitivo: somos capazes, por exemplo, de intuir o todo de um objeto ou de uma pessoa a partir da percepção de uma parte apenas. Assim, ao avistarmos uma chaminé, sabemos que lá está uma fábrica; ao ouvirmos o apito de um trem, intuímos o todo da composição; a fotografia de mãos nos remete à figura do todo da pessoa. Em todos estes casos, estabelecemos uma relação de sentido pela proximidade, pela vizinhança, pela contiguidade.

Com base nesta nossa capacidade cognitiva, desenvolvemos, então, um modo metonímico de fazer referência ao mundo: designamos o maior pelo menor, o todo pela parte, o conjunto pelo detalhe (dizemos que o detalhe implica o conjunto; a parte implica o todo; o menor implica o maior).

Um exemplo corriqueiro de metonímia está no modo como designamos a seleção brasileira de futebol:

  • seleção canarinho

Observe o processo metonímico em ação: toma-se um detalhe - a cor da camiseta oficial da seleção (amarelo-canário) - para designar o conjunto dos jogadores que vestem aquela camiseta. Isto é, aproveita-se a proximidade (a contiguidade) cor da camiseta/jogadores para se designar o conjunto (a seleção) pelo detalhe.

Note que é muito comum, no futebol, a designação de um clube pelas cores de sua camiseta: no Rio, falou em rubro-negro todos sabem que se trata do Flamengo; em Curitiba, usa-se a metonímia alvi-verde para designar o Coritiba Football Club; em Porto Alegre, colorado é o modo metonímico de fazer referência ao Internacional; e assim por diante.

São exemplos corriqueiros de metonímias expressões que designam:

A parte pelo todo

(Dizem assim os versos de uma música popular: A mão que toca um violão se for preciso faz a guerra.../A voz que canta uma canção se for precisa canta um hino, louva a morte.../ O mesmo pé que dança um samba se preciso vaia luta/capoeira... - em todos estes versos, toma-se uma parte
- a mão, a voz, o pé - para fazer referência ao todo da pessoa);

A causa pelo efeito

(quando alguém diz: Respeite meus cabelos brancos, está solicitando respeito à sua idade. Metonimicamente, toma o efeito -   os cabelos brancos - para fazer referência à causa - a idade)]

A obra pelo autor

(O museu adquiriu um Portinari
-  o nome do pintor, Portinari, é usado para designar a obra).

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