E se eu morrer amanhã?

Já que tudo pode ser expresso em poesias, pensemos nisso:

o-peso-do-mundo

Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão —
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.

Alberto Caeiro - Poemas Inconjuntos

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4 Comentários

  1. Olá Bauru,

    Pelo título achei que era de Alvares de Azevedo, meu poeta favorito... mas depois vi que era de outro autor, igualmente bela a poesia..

    Abraço

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  2. Olá!
    Que bom te ver lá no blog.
    Alberto Caeiro, pseudônimo predileto da filha jornalista!
    Bom Fim de Semana!

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  3. Geraldo, meu amigo, muito bom receber seu comentário aqui no blog. Espero que passe mais vezes. Sim, tem a cara do Álvares de Azevedo... acho que todos eles tinham um quê de melancolia, né.

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  4. Lia, que legal receber sua visitinha aqui. Sim, fui até lá e gostei bastante do seu blog apesar de ser um assunto bem diferente dos meus. Mesmo assim, é sempre bom mudar de ares, conhecer gente nova e sair da zona de conforto. Espero vê-la mais vezes por aqui. Grande abraço.

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