Raízes – exercício de interpretação de textos com gabarito

Neste post, trago mais uma avaliação de interpretação de textos. Este é um assunto cada vez mais buscado por exames vestibulares. O próprio ENEM passou a valorizar mais a compreensão de textos que a simples decoreba de conceitos. Faça mais e mais exercícios de interpretação de textos. No mínimo tornar-se-á um leitor competente que saberá como lidar com a vida de forma mais eficiente.

RAIZES

Diante da minha janela havia uma pedra.
Não, não vou fazer imitação de poesia. Nada tem de poética a história que vou contar. A pedra de que falo é na verdade uma imensa pedreira, de topo liso, coberto em alguns pontos pela vegetação rasteira, uma espécie de enclave rural em pleno Leblon, onde às vezes cabras pastavam e onde um galo alucinado insistia em cantar na hora errada, no início da madrugada. Era o lugar ideal para, nas tardes de domingo, uma menina se deitar, sentindo nas costas o calor do sol retido pela pedra, enquanto olhava as pipas agitando-se no ar. Eu ia com meus irmãos e seus amigos, quando eles subiam lá para soltar pipa. São só lembranças.
Essa pedra não existe mais. Ou pelo menos não existe assim, como a descrevo agora, a pedra da minha infância. Hoje, é uma pedra nua - morta.
Sua base ainda está lá e servirá, pelo que sei, de fundação para um shopping. Mas a superfície foi toda raspada, a vegetação desapareceu, a pedreira foi rebaixada em quatro ou cinco metros, retalhada durante dois anos por uma orquestra de britadeiras, e nela foram erguidos os primeiros andares do que seria um estacionamento.
Assim que começaram a destruir a pedreira, pensei com alarme numa pequena árvore, uma muda de amendoeira cujo crescimento árduo eu vinha acompanhando havia anos. A árvore crescera numa das laterais da pedra e seu tronco se encorpava, equilibrando-se de forma improvável no paredão íngreme.
Eu admirava sua bravura, tirando seiva de um lugar onde não havia terra, fazendo um esforço enorme para crescer na ranhura mínima que encontrara. E caminhei um dia até o local onde ela crescia, para ver se, com as obras que tinham começado, a pequena árvore sobreviveria. Mas cheguei tarde demais. Só encontrei o tronco, decepado. Em torno, as raízes, que por anos se haviam agarrado à pedra com tanto esforço, agora condenadas a secar, inúteis.
O tempo passou. E eu não pensei mais no assunto. Até que, outro dia, assistindo a um documentário sobre os talibãs, vi uma inglesa de origem afegã mostrando a foto de um jardim onde brincava na infância e que fora destruído pela guerra civil. O documentário, feito antes da guerra com os Estados Unidos, fora gravado em solo afegão, e a moça conseguira chegar ao local do tal jardim.
Mas não encontrou nada. A comparação com a foto que trazia nas mãos era chocante. Todo o verde havia desaparecido. No meio de um descampado monocromático, restara apenas o círculo de pedra de uma velha fonte, seca. E a única coisa que não mudara na paisagem eram as montanhas, ao fundo, testemunhas da devastação que - hoje sabemos - estava apenas no princípio.
Aquela mulher e seu jardim desaparecido me fizeram pensar na pequena amendoeira que crescera na pedra e que também fora decepada. E, com isso em mente, voltei ao ponto do paredão onde ela um dia se agarrara. Com surpresa, descobri que das raízes deixadas na pedra surgiam brotos, com folhas de um verde limpo. 
A amendoeira teimava em renascer - como talvez fizesse o jardim afegão -, apesar da fúria dos homens. (Heloísa Seixas, Domingo, n° 1336)

1) “Diante da minha janela havia uma pedra. Não, não vou fazer imitação de poesia.” O comentário da segunda oração se justifica porque:
a) há um poema da nossa literatura com um verso semelhante à primeira oração.
b) toda poesia se volta para os elementos da natureza.
c) os poemas são compostos a partir de coisas aparentemente insignificantes.
d) para um texto de um jornal, a composição de um poema seria inadequada.
e) a autora do texto se declara incapaz de fazer um poema autêntico.

2) “Nada tem de poética a história que vou contar.”; esse scegmento do texto traz implícita a idéia de que só é poético (a):
a) o tema ligado à vida real
b) a realidade pertencente à vida passada
c) a temática das coisas, seres e fatos harmoniosos
d) a discussão política de fatos atuais
e) a análise dos pensamentos do homem universal

3) “Nada tem de poética a história que vou  contar.”: a história contada pela autora tem como ponto de partida cronológico:
a) a existência de uma pedra diante da janela da autora.
b) a foto de um jardim onde uma afegã brincara na infância
c) o crescimento de uma pequena amendoeira na pedra
d) a fato de a amendoeira ter sido decepada
e) as lembranças da infância da autora.

4) “E a única coisa que não mudara na paisagem eram as montanhas, ao fundo, testemunhas da devastação que - hoje sabemos – estava apenas no princípio.”; a devastação no Afeganistão estava apenas no princípio porque:
a) os Estados Unidos ainda não haviam invadido o país.
b) após a guerra EUA x talibãs, o país ficou devastado.
c) o Afeganistão passou por outros conflitos após a guerra civil.
d) o país não conseguiu reerguer-se e sua população emigrou.
e) os males da guerra permanecem após o seu término.

5) Entre o episódio do jardim da mulher e o da amendoeira da autora há um (a):
a) oposição ideológica
b) contigüidade temporal
c) paralelismo espacial
d) semelhança afetiva
e) diferença de opiniões

6) “Eu ia com meus irmãos e seus amigos, quando eles subiam lá para soltar pipas.”; uma forma INCORRETA de reescritura  desse mesmo segmento textual, por não manter o sentido original, ou criar ambigüidade, é:
a) Quando meus irmãos e seus amigos subiam lá para soltar pipas, eu ia com eles.
b) Eu ia com meus irmãos e seus amigos quando eles lá subiam, para soltar pipas.
c) Meus irmãos e seus amigos subiam lá para soltar pipas e eu, nesse momento, ia com eles.
d) Eu ia com eles, meus irmãos e seus amigos, quando lá subiam para soltar pipas.
e) Quando lá subiam para soltar pipas meus irmãos e seus amigos, eu ia com eles.

7) O título dado ao texto, raízes, se refere:
a) exclusivamente às raízes da amendoeira, que voltaram a brotar.
b) metaforicamente, a tudo o que nos prende ao passado.
c) às nossas origens raciais e espaciais.
d) às recordações da infância que desaparecem na idade adulta.
e) a tudo o que amamos e que o tempo levou.

8) O texto lido só NÃO pode ser visto como um (a):
a) recordação sentimental de tempos infantis
b) protesto contra a destruição patrocinada pelos homens
c) lamento diante de mudanças causadas pelo progresso
d) denúncia contra a ocupação irrefletida do espaço rural
e) lembrança idealizada de momentos felizes da existência 

GABARITO DAS QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO

1) Letra a
De certa forma, a questão pede algum conhecimento da literatura brasileira. A autora faz alusão a famosos versos de Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho”. Por isso ela disse que não estava fazendo imitação de poesia.

2) Letra c
Quando a autora diz que não há nada de poético na história que será contada, que é uma história triste, melancólica, nostálgica, deduz se que só histórias de outra natureza, ou seja, harmoniosas, podem ser consideradas poéticas.

3) Letra b
Trata-se de uma questão delicada, que pode enganar, se nos deixarmos levar pela primeira impressão. O que fez com que a autora contasse a história foi ter visto, em um documentário, a foto do jardim onde a mulher  afegã brincara quando criança. Isso fez com que ela se lembrasse da pequena amendoeira decepada. A história, pois, tem como ponto de partida esse fato; se não fosse ele, ela não teria sido narrada. A infância da autora pode até ser anterior (nada no texto garante isso), porém o que a questão quer é o ponto de partida cronológico da história, daí a resposta ser a letra b.

4) Letra c
A resposta se encontra no trecho: “O documentário, feito antes da guerra com os Estados Unidos, fora gravado em solo afegão...” O documentário era, pois, sobre a guerra civil, quando houve o início da devastação do país. A guerra contra os americanos aumentou-a.

5) Letra d 
Tanto a autora quanto a mulher afegã choram a perda de um bem natural pela atuação do homem. No caso da autora, pela necessidade do progresso; no da afegã, pela destruição causada pela guerra. A letra b fala em “contiguidade temporal”, mas o texto não permite qualquer dedução a esse respeito. Assim, sendo as outras opções descabidas, só podemos ficar com a letra d.

6) Letra b
A letra b sugere, em virtude da pontuação da frase, que a autora, criança na época, também ia soltar pipas. Observe que a única  diferença entre essa reescritura e a frase do texto é a posição das vírgulas. A pausa dada à nova frase por meio de uma vírgula alterou o sentido.

7) Letra b
Denotativamente, raiz é a parte da planta que a prende ao solo. Figuradamente, passou a significar tudo aquilo que nos prende, nos fixa a um lugar ou a uma época. A autora do texto nos fala do passado, seu e da mulher afegã. As outras alternativas se excluem por si mesmas.

8) Letra d
A resposta dessa questão é óbvia. Não há sequer alusão, por breve que seja, à ocupação do espaço rural.

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