Proposta de redação comentada: estrangeirismos

Achar, para download, material pronto na internet para usar naqueles momentos em que se começa a gritar por socorro nem sempre é fácil. Este blog vem se destacando justamente neste aspecto. Além das avaliações prontas, dos exercícios de gramática com gabarito, dos exercícios de interpretação, agora postarei também algumas propostas de redação comentadas. Neste primeiro, veremos uma proposta de redação da Fuvest de 2000, mas cuja discussão ainda é importante.

Na época do vestibular de 2000, a Fuvest usou como tema de redação a discussão sobre estrangeirismos. Lembra-se disso? Bem, o Deputado Federal Aldo Rebelo (PC do B - SP), visando proteger a identidade cultural da língua portuguesa, apresentou, na época, um projeto de lei que prevê sanções contra o emprego abusivo de estrangeirismos. Mais que isso, declarou o Deputado, interessa-lhe incentivar a criação de um "Movimento Nacional de Defesa da Língua Portuguesa".
Leia alguns dos argumentos que ele apresenta para justificar o projeto, bem como os textos subsequentes, relacionados ao mesmo tema:

"A História nos ensina que uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua. (...)"
”… estamos a assistir a uma verdadeira descaracterização da Língua Portuguesa, tal a invasão indiscriminada e desnecessária de estrangeirismos — como 'holding, ‘recall’. ‘franchise', 'coffee-break', ‘self-service’ – (…) E isso vem ocorrendo com voracidade e rapidez tão espantosas que não é exagero supor que estamos na iminência de comprometer, quem sabe até truncar, a comunicação oral e escrita com o nosso homem simples do campo, não afeito às palavras e expressões importadas, em geral do inglês norte-americano, que dominam o nosso cotidiano (...)"
"Como explicar esse fenômeno indesejável, ameaçador de um dos elementos mais vitais do nosso patrimônio cultural — a língua materna —, que vem ocorrendo com intensidade crescente ao longo dos últimos 10 a 20 anos? (...)"
"Parece-me que é chegado o momento de romper com tamanha complacência cultural, e, assim, conscientizar a nação de que é preciso agir em prol da língua pátria, mas sem xenofobismo ou intolerância de nenhuma espécie. (…)"
(Dep. Fed. Aldo Rebelo, 1999.)

"Na realidade, o problema do empréstimo linguístico não se resolve com atitudes reacionárias, com estabelecer barreiras ou cordões de isolamento à entrada de palavras e expressões de outros idiomas. Resolve-se com o dinamismo cultural, com o gênio inventivo do povo. Povo que não forja cultura dispensa-se de criar palavras com energia irradiadora e tem de conformar-se, queiram ou não queiram os seus gramáticos, à condição de mero usuário de criações alheias."
(Celso Cunha, 1968.)

"Um país como a Alemanha, menos vulnerável à influência da colonização da língua inglesa, discute hoje uma reforma ortográfica para 'germanizar' expressões estrangeiras, o que já é regra na França. O risco de se cair no nacionalismo tosco e na xenofobia é evidente.
Não é preciso, porém, agir como Policarpo Quaresma, personagem de Lima Barreto, que queria transformar o tupi em língua oficial do Brasil para recuperar o instinto de nacionalidade. No Brasil de hoje já seria um avanço se as pessoas passassem a usar, entre outros exemplos, a palavra 'entrega” em vez de 'delivery',"
(Folha de S. Paulo, 20/10/98.)

Essa era a coletânea. A proposta pedia que o aluno, levando em conta as ideias presentes nos três textos, redigisse uma DISSERTAÇÃO EM PROSA, expondo o que pensava sobre essa iniciativa do Deputado e as questões que ela envolve. Claro, deveria argumentar de forma a dar sustentação ao ponto de vista que você adotou.

Vamos agora ao comentário sobre os textos e sobre a proposta, pois este é o propósito do post. Quais ideias podem ser aproveitadas de cada texto?

Texto 1

  • Inegavelmente, uma das formas de dominação de um povo se dá pela imposição da língua. (Fato-exemplo: Roma impõe o latim a todas as possessões conquistadas, no período de expansão do Império Romano; as línguas neolatinas advêm desse processo.)

  • Ocorre, de fato, um processo de descaracterização da Língua Portuguesa pela assimilação de inúmeros termos empregados sobretudo no cotidiano. (É preciso admitir que esse processo é irreversível, pois, num mundo de economia globalizada — com forte imposição econômica e política dos países ricos sobre os países pobres —, a cultura tende a ser globalizada também, abolindo as chamadas fronteiras culturais.)
Texto 2

  • O problema da invasão cultural, especificamente do empréstimo linguístico, não se resolve com atitudes reacionárias, entre elas o xenofobismo.

  • É preciso fomentar a cultura popular, criar condições para que ela medre.
Texto 3

  • Mesmo correndo o risco de caírem no nacionalismo tosco e na xenofobia, países ricos e com tradição cultural, como Alemanha e França, procuram reagir à influência da colonização da língua inglesa.

  • Por um lado, seria ingênua a proposta de Policarpo Quaresma - instituir o tupi como língua oficial -; por outro, considerar "avanço" o fato de as pessoas usarem "entrega" em vez de "delivery" é pensar em descompasso com a realidade, pois o nosso povo, carecendo, em primeira instância, de uma verdadeira escola, é relegado à força dos meios de comunicação, que reproduzem com insistência as "vozes" que comandam o mundo.
Por fim, associando as ideias veiculadas pelos três textos, percebe-se que é importante defender a integridade do idioma, como já fazem alguns países da Europa, devendo-se estar sempre atento à falácia representada pelo xenofobismo e à ingenuidade da defesa de posições antiquadas e reacionárias. Enfim, não só é preciso criar algum movimento de defesa da língua nacional no que diz respeito ao empréstimo indiscriminado de termos linguísticos, mas também criar um movimento que dê ao povo acesso à cultura do próprio país, que o leve a ser consciente e participante do universo em que está inserido.

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