Nos umbrais da caverna – Exercício de interpretação de textos

OS UMBRAIS DA CAVERNA

Não sei por que(*), mas associei duas declarações da semana passada, feitas no mesmo dia, mas separadas por espaço e objetivo.
No Brasil, o presidente da República declarou que "já vamos 5 transpor os umbrais do atraso". No Afeganistão, um tal de Abdul Rahman, ministro do novo governo que ali se instalou, acredita que o país será invadido por turistas de todo o mundo interessados em conhecer Tora Bora e Candahar.
Louve-se o otimismo de um e de outro. Sempre ouvi dizer que 10 o otimista é um cara mal-informado. As duas declarações, juntas ou separadas, são uma prova. Os umbrais do atraso que FHC anuncia transpor e os encantos turísticos do Afeganistão são boas intenções ainda distantes da realidade. Certo que não faltam progressos em nossa vida como nação e povo, mas o quadro geral ainda é lastimável, 15 sobretudo pela existência de dois cenários contraditórios - um cada vez mais rico e outro cada vez mais miserável.
Os umbrais que separam a riqueza da miséria não serão transpostos com as prioridades que sete anos de tucanato estabeleceram para o país.
Quando Maria Antonieta perguntou por que o povo não comia 20 bolos à falta de pão, também pensava que a monarquia havia transposto os umbrais do atraso.
Quanto ao interesse de as cavernas de Tora Bora provocarem uma invasão de turistas, acho discutível esse tipo de atração. Reconheço que há exageros na massificação do turismo internacional, mas não a esse 25 ponto.
Em todo o caso, não custa abrir um crédito de esperança para as burras do erário afegão. Se o ministro Abdul Rahman contratar um dos nossos marqueteiros profissionais, desses que prometem eleger um poste para a Presidência da República, é possível que muita gente vá conhecer 30 as cavernas onde ainda não encontraram Osama bin Laden.(Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo, 13/1/02)

*A palavra aparece assim na edição eletrônica da Folha. No entanto, deve ser acentuada (quê).
1) O autor não acredita:
a) na boa intenção do presidente da República.
b) que o Afeganistão será invadido por turistas de todo o mundo.
c) que o ministro afegão seja otimista.
d) que o otimista é um cara mal-informado.
e) em semelhanças entre as declarações de FHC e Abdul Rahman.

2) Maria Antonieta é comparada a:
a) Abdul Rahman
b) turistas de todo o mundo
c) Tora Bora
d) FHC
e) um cara mal-informado

3) "...não custa abrir um crédito de esperança para as burras do erário
afegão." Neste trecho, "as burras do erário afegão" significam:
a) as pessoas ignorantes do Afeganistão
b) os animais de carga do Afeganistão
c) os cofres do tesouro do Afeganistão
d) o dinheiro da iniciativa privada do Afeganistão
e) o dinheiro de empresas falidas do Afeganistão, confiscado pelo novo governo

4) Ao definir o otimista, o autor valeu-se de uma linguagem:
a) hermética
b) culta
c) chula
d) coloquial
e) ofensiva

5) Para o autor, tanto FHC como Abdul Rahman:
a) estão descontentes com a situação em seus países.
b) têm ampla visão social.
c) são demagogos.
d) não têm preparo para ocupar seus cargos.
e) são mal-informados.

6) Se levarmos em conta a afirmação de FHC, teremos de concluir que o Brasil:
a) não é mais um país atrasado.
b) continuará a ser um país atrasado.
c) levará muitos anos para se desenvolver.
d) em pouco tempo deixará de ser um país atrasado.
e) tem condições de ser um país adiantado.

7) No último parágrafo do texto, o autor utiliza uma linguagem:
a) metafórica
b) hiperbólica
c) irônica
d) leviana
e) pessimista

8) Para o autor, as declarações de FHC e do ministro só não têm em comum o fato de:
a) serem equivocadas.
b) partirem de pessoas otimistas.
c) serem despropositadas.
d) serem bem-intencionadas.
e) supervalorizarem a capacidade turística de seus países.

Gabarito comentado:

1) Letra b
O autor declara que "o otimista é um cara mal-informado" (/. 10). Para ele, o ministro afegão é otimista em crer numa invasão de turistas. Agora, juntemos tudo isso com o trecho seguinte: "Os umbrais do atraso que FHC anuncia transpor e os encantos turísticos do Afeganistão são boas intenções ainda distantes da realidade." A resposta, assim, só pode ser a letra b.

2) Letra d
O presidente FHC disse que "já vamos transpor os umbrais do atraso" (/. 4/5).
Mais adiante, nas linhas 19 a 21, o autor afirma: "Quando Maria Antonieta perguntou por que o povo não comia bolos à falta de pão, também pensava que a monarquia havia transposto os umbrais do atraso." A comparação com FHC fica evidente na palavra também, no trecho destacado. Também une as duas pessoas, FHC e Maria Antonieta, no que toca à idéia de terem sido transpostos os umbrais do atraso. Daí a resposta ser a letra d. A letra e poderia parecer correta, mas está errada. Maria Antonieta não é comparada a um cara mal-informado, ela era mal informada.

3) Letra c
Burra é uma palavra de pouco uso no português atual, com o sentido de cofre. Erário é dinheiro público. Assim, o trecho destacado tem o sentido de cofres do tesouro do Afeganistão. O crédito de esperança seria a possibilidade de haver, de acordo com o otimismo do ministro Abdul Rahman, uma invasão de turistas ávidos por conhecer Tora Bora e Candahar, o que encheria os cofres do país.

4) Letra d
Ao considerar o otimista "um cara mal-informado" (/. 10), o autor se vale de uma linguagem descontraída, coloquial. Mais precisamente no emprego da palavra cara, com o sentido de pessoa.

5) Letra e
O texto não diz nem sugere que eles estejam descontentes com a situação em seus países, ao contrário, uma vez que se mostram ambos otimistas. Para o autor, eles não têm visão social, por estarem equivocados em seus pontos de vista. O autor não os acusa de demagogos, apenas os considera mal-informados, o que nos leva a aceitar a alternativa e como resposta. A letra d é absolutamente inadequada em relação às idéias contidas no texto.

6) Letra d
A resposta da questão se encontra claramente colocada no trecho: "já vamos transpor os umbrais do atraso" (/. 4/5). A palavra já transmite nitidamente a idéia de que o país deixará logo de ser atrasado.

7) Letra c
O autor ironiza ao dizer que o ministro afegão poderia conseguir que muita gente visitasse as cavernas do país se contratasse um dos marqueteiros profissionais do Brasil, que prometem até eleger um poste para a Presidência do Brasil.

8) Letra e
Uma questão bastante sutil. Para alguns, parecerá que não há resposta. Acontece que só o ministro Abdul Rahman supervaloriza a capacidade turística do país; o presidente do Brasil fala em vencer o atraso, sem nenhuma citação ao setor do turismo.

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