Função metalinguística na interpretação

Tenho gostado muito de elaborar exercícios assim. Na verdade, são compilações de atividades que apliquei nos meus alunos nos últimos tempos. Seria insano da minha parte elaborar atividades tão grandes justamente numa semana de provas. Além disso, estou elaborando um ebook sobre coesão e coerência textual e ainda estou reformulando todas as descrições de um site de jogos infantis para meninas. Qualquer dia desses eu mostro este site para vocês. Bem, abaixo vocês verão alguns exercícios baseados em textos que já divulguei em nossa página lá no Facebook. Sugiro que siga o blog nas redes sociais. Veja logo abaixo da imagem alguns dos lugares onde poderá me encontrar.

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Vamos agora aos exercícios.

Alegre

Textos para os exercícios 1 e 2.

Texto 1

Nenhuma ciência é definitivamente correta. Sempre há teorias novas, e compreensões novas. Mas há descobertas que são irreversíveis. A astronomia moderna, por exemplo, é bastante diferente da de Copérnico, mas ninguém, hoje, pode acreditar que a Terra é plana e que o Sol gira em torno dela. O mesmo se aplica à teoria psicanalítica. Desde a descoberta da sexualidade infantil, da agressividade e da descoberta de processos do inconsciente vitais para a nossa vida consciente, ninguém mais pode achar que os primeiros anos de vida e a infância não formam o nosso caráter. Concluindo, vou repetir a frase que escrevi com W. R. Bion e H. Ro-senfeld para o obituário de Melanie Klein: "Toda a ciência busca a verdade. A psicanálise é única por acreditar que a busca da verdade é, em si, um processo terapêutico".

Hanna Segai. Veja, 22/4/98.

Vocabulário
irreversível: que não pode voltar ao estado anterior
obituário: relativo a óbito (falecimento); livro em que se registram os óbitos ou as homenagens ao morto
terapêutico: curativo, medicinal

Texto 2

É sina de minha amiga penar pela sorte do próximo, se bem que seja um penar jubiloso. Explico-me. Todo sofrimento alheio a preocupa, e acende nela o facho da ação, que a torna feliz. Não distingue entre gente e bicho, quando tem de agir, mas, como há inúmeras sociedades (com verbas) para o bem dos homens, e uma só, sem recurso, para o bem dos animais, é nesta última que gosta de militar. Os problemas aparecem-lhe em cardume, e parece que a escolhem de preferência a outras criaturas de menor sensibilidade e iniciativa.

Carlos Drummond de Andrade. Fala, amendoeira. In: Poesia e Prosa.

Vocabulário
sina: sorte, destino, fado
jubiloso: cheio de alegria, de contentamento

1. Transcreva, dos textos anteriores, as frases que contêm o ponto de vista do enunciador.
2. Em seguida à introdução há o desenvolvimento, ou seja, a apresentação de argumentos que justificam os pontos de vista colocados. Releia ambos os textos e tente identificar um tipo de argumento que cada um possui.

Textos para os exercícios de 6 a 10

Parágrafo 1

Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio. Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se fossem dados: adoro a fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento. Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o invólucro mais fino dos nossos pensamentos.

Clarice Lispector. A descoberta do mundo.

Vocabulário
fatalidade: acontecimento funesto, infortúnio, desgraça
invólucro: tudo quanto sorve para envolver; envoltório

Parágrafo 2

Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo instintivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras — quais? Talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.

Clarice Lispector. Um sopro de vida.

Parágrafo 3

O parágrafo é uma unidade de composição constituída por um ou mais de um período, em que se desenvolve alguma ideia central, ou nuclear, a que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela.

Othon M. Garcia. Comunicação em Prosa Moderna.

Parágrafo 4

O parágrafo é uma unidade de composição suficientemente ampla para conter um processo completo de raciocínio e suficientemente curta para nos permitir a análise dos componentes desse processo, na medida em que contribuem para a tarefa da comunicação.

Francis X. Trainor e Brian K. McLaughlin, citados por Othon M. Garcia. In: Comunicação em prosa moderna.

Parágrafo 5

O texto argumentativo pressupõe uma concepção da linguagem enquanto uma relação dialógica, uma vez que quem argumenta o faz com vista a convencer um interlocutor. Isto significa poder movimentar-se dentro do texto segundo diferentes perspectivas, ter em mente uma representação do interlocutor e relacionar-se com ela, antecipando possíveis objeções, esclarecendo pontos de vista, defendendo argumentos, apresentando ideias contrárias e refutando-as. Desta forma, a argumentação se realiza num espaço entre o estabelecimento de um sujeito e a representação de um interlocutor.

J.A. Durigan, M.B. Abaurre, Y. Frateschi Vieira (org.). In: A magia da mudança — Vestibuiar Unicamp: Língua e Literatura.

Vocabulário
dialógica relativo a diálogo, dialogai
ofrjeção: réplica, contestação
refutar, reprovar, negar, contestar, contradizer

Parágrafo 6

Seja como for, todas as "realidades" e as "fantasias" só podem tomar forma através da escrita, na qual exterioridade e interioridade, mundo e ego, experiência e fantasia aparecem compostos pela mesma matéria verbal; as visões polimorfas obtidas através dos olhos e da alma encontram-se contidas nas linhas uniformes de caracteres minúsculos ou maiúsculos, de pontos, vírgulas, de parênteses; páginas inteiras de sinais alinhados, encostados uns nos outros como grãos de areia, representando o espetáculo variegado do mundo numa superfície sempre igual e sempre diversa, como as dunas impelidas pelo vento do deserto.

Italo Calvino. Seis propostas para o próximo milénio.

Vocabulário
polimorfo: que se apresenta sob numerosas formas; multiforme variegado: diversificado, sortido, variado

Parágrafo 7

A Linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras. Minha linguagem treme de desejo. A emoção de um duplo contato: de um lado, toda uma atividade do discurso vem, discretamente, indiretamente, colocarem evidência um significado único que é "Eu te desejo", e liberá-lo, alimentá-lo, ramificá-lo, fazê-lo explodir (...), por outro lado, envolve o outro nas minhas palavras, eu o acaricio, o roço, prolongo esse roçar, me esforço em fazer durar o comentário ao qual submeto a relação.

Roland Barthes. Fragmentos de um discurso amoroso.

3. O que há em comum nos parágrafos de 1 a 6, tanto do ponto de vista da forma quanto do conteúdo?
4. Quanto ao sétimo parágrafo: que semelhança e que diferença possui, em relação aos anteriores?
5. Se todos os parágrafos tematizam o ato de escrever, que função de linguagem marca presença em todos eles?
6. Embora todos os parágrafos, na medida em que se referem à atividade da escrita, tenham uma forte presença da função referida no exercício anterior, em alguns a linguagem é mais objetiva e, em outros, mais subjetiva. Divida-os, de acordo com esse critério.
7. Se lembrarmos o que sabemos sobre a função poética da linguagem, em quais parágrafos podemos reconhecê-la claramente? Exemplifique.

Gabarito dos exercícios

1. Texto 1: "Nenhuma ciência é definitivamente correta. Sempre há teorias novas, e compreensões novas. Mas há descobertas que são irreversíveis". Texto 2: "É sina de minha amiga penar pela sorte do próximo, se bem que seja um penar jubiloso".

2. No primeiro texto, o enunciador usa exemplos para justificar seu ponto de vista; no segundo, explica as causas ou razões do que afirma.

3. Tais parágrafos possuem uma estrutura dissertativa, na medida em que expõem teses e as defendem argumenta-tivamente. Além disso, eles tematizam o ato de escrever.

4. Embora também tematize o escrever, o sétimo parágrafo se diferencia dos outros por possuir uma estrutura predo-minantemente descritiva.

5. A função metalinguística.

6. Os parágrafos cuja linguagem é mais objetiva: 3, 4 e 5; com linguagem mais subjetiva: 1, 2 e 6.

7. No parágrafo 2 ("Escrever é uma pedra lançada no poço fundo") e no parágrafo 7 ("A Linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro")

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