Exercício para entender a coletânea

O artigo de hoje está diretamente relacionado com o publicado aqui no blog anteriormente [acesse-o aqui]. São dois exercícios ótimos para quem fará #Enem ou #vestibular, pois desenvolvem uma habilidade necessária diante de uma coletânea que precisa ser lida, entendida e “resumida” para ser usada na elaboração da redação ou mesmo para responder os exercícios de interpretação de textos. Sugiro uma leitura atenta para só depois conferir o gabarito. Bons estudos.

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Guga renova a ideia de um Brasil "simpático"

Por rabugice ou por medo de mais uma decepção patriótica não fui dos que acreditaram em Guga desde o começo. O seu primeiro sucesso em Roland Garros, há três anos, parecia um tanto casual, e logo fui ficando desconfiado de todo o destaque publicitária que deram ao rapaz.
A vitória de Kuerten no domingo passado foi transmitida pela Tv Record. Para mim, isso parece indicar que nem a Globo, com seu facílimo e forçado otimismo, punha muitas fichas na simpática figura do tenista.
E, então, vejam só, ele se torna o número um do ranking mundial. O país reage um pouco como um parente distante, numa daquelas reuniões de família, que se surpreende ao ver o filho da prima Fulana já de barba no queixo: "Nossa, como você cresceu! Há tão pouco tempo ainda era um bebê!"
Celebrando a vitória, Guga parece responder exatamente esse tipo de comentário: demonstra o embaraço do adolescente diante da incredulidade banal dos familiares. Mesmo fisicamente, há no jogador um desajeitamento que me lembra um pouco o personagem Garibaldo, do antigo programa "Vila Sésamo".
O gosto pelo surfe, a presença da mãe e da avó na torcida, as constantes mudanças no visual — cabelo tingido, cabelo comprido, cabelo curto etc. —, registradas na Folha desta segunda-feira, também contribuem para fazer de Guga um representante, que ai agora faltava no mundo esportivo brasileiro, do adolescente de classe média.
Pois os jogadores de futebol, de vôlei ou de basquete, não importa a idade cronológica que tenham, sempre parecem mais adultos, mais profissionais; têm filhos, mulheres, negócios.
Isso também torna Guga mais simpático. Ao contrário do que acontece com alguns futebolistas, que, mesmo quando não estão jogando nada, se comportam como se tudo lhes fosse devido, o sucesso parece cair em Guga sem querer. Guga comemora o título como se não fosse ele quem tivesse feito a conquista: ensaia passos de samba, adere ao karaokê, sorri e acena como se fosse um torcedor e não a estrela do espetáculo.
José Geraldo Couto observou que, embora louro e de sobrenome alemão, o tenista "aproxima-se do estereótipo brazuca por seu jeitão desleixado, sua paixão por futebol, sua afetividade", que "não há brasileiro que não se identifique com ele". É verdade. Mas o fenômeno tem o seu avesso, que caberia comentar.
Durante muito tempo, as elites se acostumaram a ver no sucesso do futebol brasileiro a projeção do que seria "o caráter de nosso povo". Lembro-me, quando morreu Garrincha, de um artigo identificando a notória simploriedade intelectual do jogador com a alma do brasileiro comum — ingênuo, talentoso, inofensivo, espontâneo... Nosso povo, com tanta ginga, tanto samba e tanto futebol, tendia a ser visto como uma espécie de otário provido de admirável expressividade corporal. De uns tempos para cá, o futebol não nos traz esse tipo de conforto ideológico; seus maiores astros não inspiram movimentos de paternalismo diante das camadas populares. O que os atletas pudessem ter de "espontâneo" e "infantil" vai sendo substituído por algo de sombrio, de antipático, de suspeitoso.
Pense-se em Romário, em Edmundo, em Marcelinho Carioca: se representam o "povo brasileiro", é pelo que têm de ingovernável, de vingativo, de intransparente. Não mais se pensa nas líricas favelas dos anos 50, mas num mundo de escopetas, muambas e cultos evangélicos. A classe média de esquerda, que com o tempo foi absorvendo bem o candomblé, espanta-se quando seu populismo é traído pelo rigor pentecostal que estremece o subsolo da sociedade.
Boates na Barra da Tijuca, contratos milionários, loiras fenomenais; ou então os textos bíblicos, um brilho duro no olhar, o profissionalismo mercenário. Torcidas organizadas, depredações, delinquência; um craque vira sex simbol, o outro, com malignidades de Tartufo, estropia os joelhos do adversário murmurando um versículo de São Marcos.
O futebol, enfim, inspira medo e desconforto. A distância social, agravada ao longo de décadas, não permite mais que se afague a cabeça de nossos canarinhos. É nesse contexto que surge o Guga. Simboliza bem um Brasil que, como sempre, ganha na base da raça; um país que "no fim dá certo"; que, sem estrutura, sem mais nada além de suas próprias esperanças, é o simpático azarão do sistema internacional.
A ideologia do "espontâneo", do "país simpático", isso se renova, portanto. Com uma vantagem: não precisamos mais recorrer ao "povo" para perpetuá-la. Branco, tenista, mais "brazuca" que "brasileiro", Guga é um dos nossos.

Marcelo Coelho. Folha de S. Paulo, 14/6/2000.

Vocabulário

  • rabugice: impertinência
  • desajeitamento: falta de jeito
  • otário: indivíduo tolo, simplório, fácil de ser enganado
  • escopeta: espingarda de repetição, leve de cano curto

1. Delimite:

a)  o assunto;
b)  o tema;
c)  o ponto de vista.

2. Encontre uma semelhança formal e uma semelhança de assunto que aproximem este texto do texto publicado em nosso post anterior. Transcreva um trecho de cada um deles para justificar sua resposta.

Gabarito dos exercícios acima

1. a) O tenista Guga.

b)  A identificação do brasileiro com o tenista, um adolescente de classe média, que representa um novo tipo de ídolo popular no País.

c)   Para o autor, o surgimento e o sucesso de Guga preenchem um espaço esvaziado pela decadência do futebol, que passou a inspirar medo e desconfiança.

2. A semelhança formal existe na medida em que se trata de dois textos dissertativos. Quanto à semelhança de assunto, ambos os textos se referem à questão da identidade nacional, como se percebe nos seguintes exemplos:

Texto do exercício 1: "A personalidade proteica do brasileiro só se explica pelo nosso fundo indiferenciado, amebiano, gelatinoso, ou seja, por nossa índole macunaímica".

Texto do exercício 2: "A ideologia do 'espontâneo', do 'país simpático', isso se renova, portanto. Com uma vantagem: não precisamos mais recorrer ao 'povo' para perpetuá-la".

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