Dicas e curso do Acordo Ortográfico

Muitos são os textos que tratam do Acordo Ortográfico. Publiquei, por exemplo, um guia a respeito das mudanças ortográficas ocorridas e que vigoram desde o começo do ano. O que sabemos diante dessa questão é que o século 20 começou com a ortografia mergulhada no caos, ou melhor, chaos. como doutora da UNICamp. Cada um escrevia de acordo com as suas próprias ideias, ou seja, havia praticamente uma ortografia para cada escritor. Em 1904, Gonçalves Viana, foneticista, filólogo e lexicólogo português, apresentou, em Ortografia Nacional, uma proposta de simplificação ortográfica. Ele sabia que se tratava de um desafio. Afinal, valorizar aspectos da fala, afastando-se do latim, tornava a língua mais popular. Isso desagradava, sem dúvida, aos doutos. [...]

As regras apresentadas por Gonçalves Viana estão muito próximas das que vigoram hoje. Eram as seguintes:

  1. supressão de todos os símbolos da etimologia grega: th, ph, ch (= k), rh e y;
  2. redução das consoantes dobradas, com exceção de rr e ss;
  3. eliminação das consoantes nulas, quando não influíssem na pronúncia da vogal anterior;
  4. regularização da acentuação gráfica.

Se só em 1911 uma comissão de filólogos se reuniu em Portugal para oficializar a nova ortografia, em 1907 as influências de Gonçalves Viana chegavam ao Brasil. Nesse ano, a Academia Brasileira de Letras (ABL) elaborou, a partir de proposta de Medeiros de Albuquerque, um projeto de reformulação ortográfica. Em 12 regras, o Brasil se antecipava, modernizando a grafia. Em 1912, João Ribeiro redigiu a regulamentação do projeto, aprovado em 1907. E, em 1915, a ABL aprovou o projeto de Silva Ramos, que ajustou a reforma brasileira aos padrões da reforma portuguesa de 1911. Porém, em 1919, o Brasil revogou, por indicação do académico Osório Duque Estrada, tudo que estabelecera em 1907. Enquanto Portugal aplicava a nova ortografia, o Brasil regredia três séculos. Em 1929, a Academia tentou restaurar o sistema ortográfico simplificado, mas não houve aceitação popular. Em 30 de abril de 1931, é assinado um acordo Brasil-Portugal. O Brasil adota o projeto português de 1911.

O vaivém ortográfico, entretanto, não parava por aí. Depois de oficializado em 1933, o acordo de 1931 foi derrubado pela Constituição Brasileira de 1934, que mandava voltar à ortografia da Constituição de 1891. Depois de toda a revolução modernista, voltar ao ph! A revolta foi geral. Professores, escritores, editores, juristas e até a própria ABL clamavam contra o infeliz decreto. Só em 1938 a paz ortográfica foi restabelecida com a volta do acordo de 31.

Iniciou-se a partir daí um processo de uniformização da ortografia brasileira e portuguesa, que culminou no acordo de 1943. Foi nomeada uma comissão responsável pela preparação do Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Em 1945, o acordo tornou-se lei em Portugal. 0 Brasil manteve a ortografia do Vocabulário de 1943.

Em 1971, no governo Mediei, um novo decreto é assinado. A ortografia de 1943 sofreu pequenas alterações. Mas, descontentes com a existência de grafias diferentes é alegando que isso podia
trazer problemas não só linguísticos, mas também políticos, os académicos voltaram a insistir em uma nova reforma. A partir de 1975, após a independência das colónias portuguesas africanas (São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola e Moçambique), o problema se agravou, já que passaram a ser sete os países envolvidos numa tentativa de uniformização ortográfica.

Em maio de 1986, no governo Sarney, houve tentativa de estabelecer um acordo unificado. Um encontro, no Rio de Janeiro, elaborou um novo acordo. Considerado muito radical (propunha a supressão dos acentos nas proparoxítonas e paroxítonas), acabou rejeitado. Contudo, em 1990 lá estavam os académicos e representantes dos governos em Lisboa, batendo-se por uma unificação ortográfica. Lá ficou decidido que: os signatários do acordo deveriam transformá-lo em lei; a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras publicariam um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa.

O texto, menos problemático que o de 1986, tinha dois objetivos:

  1. fixar e delimitar as diferenças entre os falantes da língua;
  2. criar uma comunidade com uma unidade linguística expressiva para ampliar prestígio no âmbito internacional.

Editado por António Houaiss [A Nova Ortografia da Língua Portuguesa, São Paulo: Ática, 1991), o novo acordo deveria entrar em vigor em 1994. Ratificado, em 1996, apenas por Portugal, Brasil e Cabo Verde, terminou adotado só em 2009, com uma transição prevista até 2012. Até então, a ortografia no Brasil era a do acordo luso-brasileiro de 1943 (sancionado pelo Decreto-Lei n° 2.623, de 21 de outubro de 1955, e simplificado pela Lei n° 5.765, de 18 de dezembro de 1971). Além de diferenças no uso do trema (Portugal não usava; no Brasil, era obrigatório nos grupos que, qui, gue, gui, quando o u era átono e pronunciado), no do hífen e na acentuação (o António brasileiro é o António português), as consoantes mudas são o que mais chama a atenção. Portugal escreve: acto, baptismo, correcção e óptimo.

Viu-se, aqui, o quanto é difícil chegar a um consenso em relação às regras ortográficas. Por mais que a ortografia se aproxime da fonética - e é o desejável -, a língua falada, além de apresentar variações geográficas, muda no tempo muito rapidamente e não há forma de escrita que
consiga acompanhar todos esses matizes e todas essas transformações. É necessário que haja uma única forma gráfica, sem dúvida. O que seria do brasileiro se para a palavra "colégio" o paulista grafasse coléjo, o carioca culégio e o baiano colégio? Haveria uma retomada da confusão medieval. Mas o pior problema é o de um só grafema corresponder a vários fonemas (sons). O x corresponde a /s/ em "máximo", /z/ em "exame", /s/ como em "Xuxa", além de ks (dois fonemas), em "tóxico", e a um só fonema corresponderem vários grafemas: o som /s/ é escrito com c, ç, s, ss, se, sç, x, xc, z.
0 século 20 acabou, e ainda há muito o que discutir sobre o uso de letras, acentos e hífen. Enquanto isso, adolescentes do novo milénio adotam em seus blogs uma nova ortografia. No internetês, o k substitui o qu (aki = aqui), o x vale por ss (axim = assim) e o h transforma vira acento agudo (ateh = até). Seria o prenúncio da ortografia virtual? Só o tempo dirá.

P.s.: Este texto foi adaptado do artigo escrito pela professora Elis de Almeida Cardoso.

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Exercícios sobre a Reforma Ortográfica com gabarito

1. Assinale a alternativa INCORRETA de acordo com o texto.

a) Formal e oficialmente, o Brasil deu início à reforma ortográfica antes de Portugal.
b) O acordo de 1943, expresso no Pequeno Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa, vigorou por mais tempo e envolveu Portugal e Brasil.
c) O trema, próprio do português de Portugal, foi eliminado do português do Brasil no acordo adotado em 2009.
d) As várias tentativas de unificação ortográfica indicam que essa questão envolve não apenas fatores linguísticos, mas também culturais e políticos.

2. Considerando a linha de tempo apresentada no texto, os eventos foram corretamente associados aos anos citados a seguir, EXCETO
a) 1904, 1911: anos de proposta e implantação de proposta de Gonçalves Viana, em Portugal.
b) 1907,1912,1915: Brasil implementa reforma ortográfica.
c) 1919,1934: ocorre retrocesso brasileiro na reforma devido à revogação de acordos estabelecidos.
d) 1943, 1994: acordos em vigor, unificando a ortografia em todos os países de língua portuguesa.

3. Depreende-se pelo texto que a uniformização ortográfica foi uma questão que envolveu especificamente Portugal e Brasil até
a)   1911.
b)   1931.
c)   1943.
d)   1975.

4. Que fato histórico fez a discussão da reforma ortográfica envolver outros países além de Brasil e Portugal?

5. Nos enunciados a seguir, o Locutor deixa transparecer certa avaliação crítica em relação ao fato apresentado, EXCETO em
a) "Em 1912, João Ribeiro redigiu a regulamentação do projeto, aprovado em 1907."
b) "O vaivém ortográfico, entretanto, não parava por aí."
c) "Depois de toda a revolução modernista, voltar ao ph!"
d) "Professores, escritores, editores, juristas e até a própria ABL clamavam contra o infeliz decreto."

6.  Levando em conta o penúltimo parágrafo, em "Haveria uma retomada da confusão medieval", e os dois textos que você leu, a expressão destacada refere-se ao fato de
a) cada um grafar as palavras à sua maneira.
b) na Idade Média, o latim prevalecer sobre o português.
c) a ortografia portuguesa ser fixada por regras rígidas.
d) serem muito diversos os países de língua portuguesa.

7. Releia esta passagem:

"Viu-se, aqui, o quanto é difícil chegar a um consenso em relação às regras ortográficas,"

Assinale a alternativa que apresenta a estratégia utilizada pelo autor do texto para demonstrar a dificuldade de se chegar a um consenso em relação às regras ortográficas.
a) Contraposição de pontos de vista de filólogos a respeito da unificação ortográfica.
b) Apresentação de um histórico das tentativas de reforma e das reformas efetivadas.
c) Discussão dos aspectos académicos e comerciais que a reforma ortográfica implica.
d) Citação de argumentos de estudiosos sobre a necessidade de unificação ortográfica do português.

8. Segundo o locutor do texto,
a) o que dificulta mais a apreensão das regras ortográficas?

b) será possível chegar a uma forma única de grafar as palavras? Porquê?

Gabarito dos exercícios sobre Reforma Ortográfica

1) d

2) d

3) O fato é que as colônias portuguesas africanas (São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola e Moçambique) tornaram-se independentes, passando a ser sete os países envolvidos numa tentativa de uniformização ortográfica.

4) a

5) a

6) b

7)
a) Segundo o locutor, o mais difícil é que a um só grafema correspondem vários fonemas (máximo, exame, Xuxa, tóxico); a um só fonema, correspondem vários grafemas (enlace, laço, anseio, passeio, Priscila, etc).

b) De acordo com o locutor, não há forma de se ter uma grafia única, paralisada no tempo. Para ele, não há escrita que consiga acompanhar o dinamismo da língua. Por mais que a ortografia se aproxime da fonética, a língua falada, além de apresentar variações geográficas, muda muito rapidamente no tempo.

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