Considerações sobre o texto poético

Faz tanto tempo que não atualizamos o blog que os leitores se manifestaram quanto a isso. Mas a razão é facilmente apresentada. Início de ano letivo, muitas mudanças em relação a número de aulas, focos, reestruturação do curso, reelaboração de aulas… enfim. Tudo isso provocou uma  mudança positiva que me obrigou a concentrar as forças na página do blog lá no Facebook, pois a facilidade de atualizar, a possibilidade de me ater às imagens ou pequeninos textos acabaram facilitando a interação.

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Mas hoje resolvi pensar um pouco mais em meio às atividades para as aulas de redação e postar um conteúdo um pouco mais denso. Espero que aproveitem.

A construção do texto poético

As considerações a seguir são uma tentativa de chamar sua atenção para aspectos que participam da construção do texto poético. O objetivo é apenas orientar sua experiência de leitor de poesia, permitindo um relativo refinamento da percepção intuitiva de suas características. Comecemos comentando o aspecto que mais salta aos olhos quando vemos um texto poético: sua distribuição na página.

Enquanto os textos em prosa aparecem em linhas plenas e contínuas, os textos poéticos são escritos em linhas apenas parcialmente preenchidas e não contínuas. Há uma espécie de distribuição horizontal na prosa e vertical na poesia. Esse corte da linha poética tem um efeito interessante: ele cobra do leitor uma leitura mais pausada, com pequenos silêncios ao fim de cada linha. E estas pausas contribuem para o processo de construção do significado do texto pelo leitor.

Claro que não é apenas a forma gráfica que caracteriza a poesia. Contudo, essa apresentação do texto poético nos remete a um constituinte básico da poesia: a transformação do ritmo num elemento significativo. Talvez por isso que, como li noutro dia, é que o poeta francês Paul Valéry costumava dizer que escrever prosa equivale a caminhar e escrever poesia a dançar. A disposição mais verticalizada do texto na página se liga precisamente a esse trabalho significativo com o ritmo.

Note bem: o ritmo não é propriedade exclusiva do texto poético. Qualquer expressão verbal - e não apenas a poética - tem ritmo. Em outros termos, não há fala sem ritmo, isto é, qualquer uma das nossas emissões verbais têm uma "melodia" que é criada basicamente por uma sucessão de sílabas fortes e fracas em padrões mais ou menos regulares. A escrita em prosa tem também seu ritmo.

Essa propriedade normal da língua foi, contudo, transformada, desde muito cedo na história da humanidade, em elemento expressivo. Desse modo, o ritmo, além de ser usado para marcar normalmente a cadência da fala, passou a ser utilizado também para gerar sentidos especiais.

Assim, por exemplo, certos padrões rítmicos começaram a ser utilizados para demarcar o encadeamento de cerimônias ritualísticas (religiosas ou não) nas mais diferentes culturas. Os participantes acompanham essas cerimônias batendo palmas ou os pés no chão, ou ainda tocando instrumentos de percussão. A repetição constante de um certo ritmo leva-os, em alguns casos, a entrarem até num certo transe. E isso, ao que parece, porque nós somos seres ritmados - a começar pelo fato mesmo de que o nosso coração funciona ritmicamente.

Por outro lado, antes da criação da escrita, os grupos humanos só dispunham da memória para guardar seu saber. Desse modo, a forma dos textos religiosos e das grandes narrativas do grupo seguiam padrões rítmicos rigorosos para auxiliar o trabalho de memorização daqueles textos e sua transmissão às novas gerações.

Tudo isso é ainda observável nas sociedades que não têm escrita (como é o caso de alguns povos indígenas) e naquelas em que o número de analfabetos é ainda muito grande (como, por exemplo, as populações nômades do norte da África).

A poesia como manifestação literária é uma espécie de desdobramento desse uso ritualístico e mnemônico do ritmo da língua. Em sua origem, a poesia era também uma prática apenas da oralidade. E conservou esta marca quando passou a ser escrita. Por isso costumamos dizer que a poesia é, antes de tudo, para ser ouvida e, portanto, para ser lida em voz alta. Desse modo percebemos melhor o ritmo do texto e nos deixamos envolver por ele no processo de geração de sentidos, na medida em que, na poesia, ritmos e significados estão intimamente interligados.

Para encerrar, uma poesia de que gosto muito e um vídeo com uma canção que ouço de tempos em tempos.

Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!

A poesia de Fernando Pessoa me leva a esta canção do Paulinho Moska, uma música que fala de contradições, paradoxos e muito mais… Afinal de contas, não somos nós feitos disso?
 

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