Após a descoberta o câncer – Interpretação

Este é um exercício de interpretação de crônica que nos faz refletir bastante sobre as coisas que nos acontecem na vida. Segundo o site Brasil Escola, crônica é:

“A crônica é um gênero que tem relação com a ideia de tempo e consiste no registro de fatos do cotidiano em linguagem literária, conotativa. A origem da palavra crônica é grega, vem de chronos (tempo), é por isso que uma das características desse tipo de texto é o caráter contemporâneo.”

Acompanhe o relato nesta crônica e, em seguida, responda as perguntas feitas. O texto é de Jamil Snege.

Pequenas aprendizagens

Bastou relatar, na última crónica, minha experiência com a descoberta de um câncer, para que meu telefone triplicasse o volume de chamadas recebidas. Eram os amigos, os parentes e, em número menor porém muito significativo, os colegas de fado e de sina. Descobri, de repente, que o mundo ao redor não é tão são como parece. E que muitas pessoas, com as quais cruzamos na rua, no shopping ou na fila do cinema, guardam dentro de si, mais ou menos inviolado, um idêntico segredo.
Têm elas, como eu, um alien alojado em alguma parte de seus corpos (ou fluídico e difuso em seu todo), com o qual mantêm relações estranhas e contraditórias. Em algumas, a relação é de beligerância declarada - e estas geralmente exibem a fisionomia contrita do guerreiro. Querem vencer e tudo farão para expulsar o invasor e destruí-lo. Outras, ao contrário, procuram ouvir o que o invasor tem a lhes dizer e o tratam antes como mensageiro do que como inimigo. Não cedem a ele, mas também não o afrontam com iras desmedidas. E um ser que está ali, com sua sintaxe desordenada, querendo expressar algo. Curiosamente, essa atividade as ilumina.
Ainda sou neófito nas artes de convivência com meu alien, mas tendo a imitar essa última postura. Procuro decodificar as mensagens que ele me envia, sempre tomando o cuidado de interpretar o conteúdo delas. Nesses poucos dias, aprendi mais sobre mim do que em muitos anos de saudável pastio pelas rotinas da vida. Descobri afetos insuspeitados, docilidades, relevâncias onde antes nada havia. E, simetricamente, a absoluta irrelevância de certas coisas que julgávamos muito importantes.
Os males imaginários, por exemplo, nos infundem muito mais terror que um bando de células malucas embutido em nosso peito. Pois são apenas células malucas - e não passam disso. Tememos todas as mortes possíveis, sofremos a iminência trágica e retumbante de cada uma delas - mas somente uma única mortezinha, singular e vulgar, nos arrebatará deste mundo.
Como quem descobre uma nova ruga ou um novo fio de cabelo branco, você descobre que o espírito também envelhece e fica mais sábio. E ficar mais sábio, neste caso, não significa mergulhar em transcendência, mas, ao contrário, buscar a imanência das coisas mais simples. Onde estão elas, você perguntará. Não há resposta verbal, nem construção conceituai, que indique onde estão e o que são as coisas simples. Podemos fazer algumas aproximações, através da sensibilidade, na direção delas. Por exemplo: desligar o televisor, ao primeiro sinal de tédio, e olhar com um interesse completamente novo, inaugural, para o rosto da pessoa que há anos vive a nosso lado.

SNEGE, Jamil. Gazeta do Povo, Curitiba, 21 jul. 2002, p. G-3.

Estudo do Texto

  1. O autor nos conta que, em crónica anterior, havia relatado a descoberta de que tinha câncer. Recebeu, por isso, vários telefonemas. Dentre estes, quais deles chamam mais a atenção? Por quê?
  2. O câncer, como todos sabemos, pode ser uma doença fatal. Descobrir que se tem câncer não é, com toda certeza, uma experiência fácil para ninguém. Apesar disso, o autor escreveu sua crônica com um tom que diminui um pouco o lado trágico da descoberta. Há uma leve dose de humor (quando o autor se refere ao câncer como um alien, o que nos faz lembrar do filme e nos provoca um ligeiro sorriso) e um certo tom de "volta ao cotidiano', de "volta ao simples".
    Nesta volta ao simples, o autor vê um sinal de sabedoria ("buscar a imanência das coisas mais simples"). Observe que ele não saberia dizer ("Não há resposta verbal, nem construção conceituai") onde estão e o que são as coisas simples, mas que é possível chegar a elas. Qual o caminho?
  3. No segundo parágrafo, o autor comenta duas reações diferentes das pessoas ao câncer. Qual delas ele tende a imitar?
  4. Esta é uma crônica atravessada por contínuas reflexões do autor. Observe que o verbo descobrir é o que mais aparece. Que coisas vai descobrindo o autor depois de "descobrir" que tinha câncer?

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